Celso Furtado e o Ocidente em ‘State of Denial’

(…) O Ocidente pode se tornar (novamente), uma sociedade covarde?
William Shakespeare, poderia dizer através da voz de seu personagem trágico, Othello Euro-Americano: “yes we can“.

Minha pequena contribuição e reflexão, um contraponto a revista The Economist dessa semana (como sempre, bom artigo), do mundo emergente para o mundo anglo saxão (Has Brazil blown it?):

Version in English: Celso Furtado and the Western Society on ‘State of Denial’

Celso Furtado ficou conhecido como o grande economista brasileiro, como muitos outros, eu tenho um entendimento diferente, Celso Furtado foi um grande pensador e filósofo social, da forma que ele mesmo se definiu em 1973 [*]. Celso Furtado formou-se na Escola de direito no começo dos anos 40, colocou a farda da Forças Armadas do Brasil, e foi lutar na segunda guerra na europa. E voltou da guerra querendo entender o mundo.

Para a geração do pós segunda guerra, ele é um economista no mesmo sentido que outros grandes pensadores em Economia Política, da mesma forma que Joseph Schumpeter, formado em Ciência Sociais no início do século XX e sendo professor em cadeira de antropologia na universidade, se tornou um pensador de Economia Política, da mesma forma que John Kenneth Galbraith, formado na Faculdade de Agricultura (1931) no Canadá, se tornou um pensador em Economia Política, assim como o já então famoso homem de negócios e famoso escritor após o tratado de Versalhes (1919), John Maynard Keynes se tornou um pensador em Economia Política após a grande depressão dos anos 1930. A geração conhecida como os economistas do século XX, como sabemos hoje, não era “Homo Economicus”, como Larry Summers e muitos outros que vagueiam por aí, mas grandes pensadores e filósofos sociais.

Celso Furtado, olhando para frente no horizonte de duas a três décadas no final do século XX, já vislumbrava e alertava-nos. sobre o futuro, entre Ocidente e o Oriente:

(…) “O interesse crescente pelos trabalhos científicos e suas aplicações tecnológicas é traço marcante da civilização ocidental. As grandes civilizações orientais haviam amealhado uma massa enorme de conhecimentos, mas não chegaram a captar as complexas relações entre conhecimento ordenado (ciência), a riqueza ordenada (bens e serviços), e a faculdade normativa de exercer o poder. Hoje, esse quadro já não é mais o mesmo: as posições de vanguarda do Ocidente na ciência e em suas aplicações, que o singularizaram até o fins do século XIX, esvaneceram-se nos últimos decênios do século XX. Com efeito, as projeções mais recentes a respeito da distribuição espacial dos frutos do desenvolvimento, tanto econômico como científico, indicam que nos próximos dois a três decênios o mundo Oriental terá alcançado, ou mesmo superado, o Ocidente.” (“A responsabilidade dos cientistas” – Discurso de Posse na ABL, 04 de julho de 2003 –  Celso Furtado Essencial, 2013 p: 489).

Qual a novidade no Ocidente hoje, desde o livro de Bob Woodward, The State of Denial (2006) – o pico do julgamento moral e ausência (vácuo) de poder do Governo Bush Jr. – derivando na grave crise de valores e na grande surpresa de um negro americano ser eleito para presidente dos EUA?

A novidade no Ocidente é um Papa Latino “del fim del mundo”, como ele próprio se definiu. É o primeiro Papa vindo da Companhia de Jesus, quase 500 anos depois de ser criada por Inácio de Loyola em 1534 e a bula papal em 1540. Chegou ao cume do poder numa instituição que tem quase 2000 anos. Instituição que tem história e cultura para dialogar com as culturas milenares da Ásia.

Nas últimas décadas, a igreja mostrou que tem um padrão (sinais aparente de não ser um mero acaso). Nos anos 70 a “fumaça branca” que saiu do chaminé na praça de São Pedro no Vaticano, elevou um Bispo do mundo comunista para ser Papa. Após o total fracasso da doutrina ( e da administração) do teólogo anglo saxão alemão, o consenso da igreja milenar é a aparente volta ao Concilio Vaticano II de João XXIII, com a chegada de um Papa latino “del fim del mundo”.

Um estudo quantitativo sobre demografia global, revista The Economist em 2010, quase uma década depois da análise qualitativa de Celso Furtado, mostra-nos que, em 2030, 85% da população global estará concentrado na Ásia, Àfrica e América Latina.

A revista The Economist estima que, por volta de três bilhões de pessoas acenderão a classe consumidora, um fato inusitado na história do mundo, quase 50% da população mundial se tornará classe consumidora.

Nesse sentido, o acordo comercial “rápido” (claro viés política, escondendo os fatos) entre América do Norte e União Europeia, que será apenas 15% da população mundial em 2030, aparenta ser um tiro no próprio pé, pior ainda, estão brincando com fogo, claramente estão sem visão de futuro, ou não sabem como encarar a realidade, jogando um perigoso jogo, tentando isolar a China. A secular questão geopolítica: Quem vai controlar o mundo e em quais termos?

Os jovens ir as ruas na Espanha, ou nos EUA (Occupy Wall Street), com total apoio da mídia global, não é a mesma situação dos jovens irem as ruas do Brasil e no mundo emergente.

No mundo dos países da OCDE, os jovens voltam para casa (eles têm onde morar), eles têm o que comer, se for inverno, eles tem aquecedor, se for verão, eles tem ar condicionado. Eles estão defendendo as suas conquistas maravilhosas da sociedade Ocidental, após segunda guerra.

No Brasil e nos países emergentes é o contrário, é conquistar uma qualidade mínima e digna de vida que nunca tivemos em nossa história.

O Brasil tem um divisor de água em sua história, a Constituinte de 1988, nesse sentido, nos últimos dez a vinte anos, mais de 40 milhões de pessoas acenderam a nova classe consumidora – “Classe média”: (indicadores gráficos do Brasil nos últimos 25 anos)

Eu pergunto, o que será o mundo Ocidental (EUA e EU), com uma nova classe consumidora mundial com três bilhões de pessoas vindo da Ásia, África e América Latina?

Duas décadas atrás, a soma do PIB nominal entre EUA e U.E era de quase 70%, hoje está por volta de 50%, a tendência é claramente de declínio: Em 2030 será quanto: 30%, ou 20%? E em 2050?

A forte impressão que paira no ar da sociedade ocidental, que ainda não entendeu , ainda não assimilou a maneira e o tempo de pensar da cultura milenar do povo chinês, como a famosa resposta de Zhou Enlai, a pergunta de Henry Kissinger, no início dos anos 70´s:

Henry Kissinger perguntou ao primeiro ministro da China, Zhou En Lai:
– Qual a sua opinião sobre a revolução francesa (1789)?
A resposta de Zhou EnLai:
– “Ainda é muito cedo para dizer”.

A Sociedade Ocidental, o stablishment da sociedade ocidental, em completo ‘State of Denial’. E isso não é um sinal bom, muito pela contrário, a história mostra-nos, que é um jogo muito perigoso.

Herodotus, considerado o pai  da história, disse-nos, à XXV séculos atrás (calendário Ocidental):

A história é marcada por movimentos alternados através de uma linha imaginária que separa o Ocidente (West) do Oriente (East) na Eurásia.”

A linha imaginária no terceiro milênio, não é mais somente entre Ocidente e Oriente na Euraria, mas um linha planetária e global, que engloba a África e a América Latina “del fim del mundo“.

O Ocidente pode ser tornar (novamente), uma sociedade covarde?
William Shakespeare, poderia dizer atraves da voz de seu personagem trágico, Othello Euro-Americano: “yes we can“.

Parafraseando a questão conservadora americana, “acorda América”, para a nova linha imaginária planetária: acorda cidadãos do mundo!

[*] (..) “Quando finalmente comecei a estudar economia de modo sistemático, aos 26 anos, minha visão do mundo, no fundamental, estava definida. Desta forma, a economia não chegaria a ser para mim mais que um instrumental, que me permitiria, com maior eficácia, tratar problemas que me vinham da observação da história ou da vida dos homens em sociedade. Pouca influência teve na conformação do meu espírito. I nunca pude compreender um problema estritamente econômico. Por exemplo: a inflação nunca foi em meu espírito outra coisa que a manifestação de conflitos de certo tipo entre grupos sociais; uma empresa nunca foi outra coisa que a manifestação do desejo do poder de um ou vários agentes sociais, em uma de suas múltiplas formas etc.” (Aventures dúm économiste brésilien”, Revue Internationale de Sciences Sociales, Paris, Unesco, v XXV, n. 1/2, 1973. Celso Furtado Essencial, 2013, p:45).

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