Quando o pensamento é uma morada, por Fernanda Carlos Borges
Quando colocamos nossas ideias em palavras agimos como um engenheiro que planeja uma casa segura e também como um arquiteto que projeta nela o prazer estético, pois ninguém vive apenas de segurança… Não moramos apenas dentro de casas, sob os telhados e envolvidos em paredes, também moramos dentro das estruturas formadas pelo que pensamos e há nelas sempre algo de estético: uma determinada sensibilidade, formas de sentir e de perceber. Buscamos abrigo dentro dos nossos pensamentos como nos abrigamos dentro das nossas casas. Quanto mais conseguimos representá-lo em palavras mais abrigados nos sentimos. E como as casas podem ser iguais, semelhantes e diferentes umas das outras, assim também são os pensamentos representados na forma de palavras. Algumas casas são mais fechadas e outras mais abertas, algumas tradicionais e outras modernas, modestas e luxuosas, espaçosas e práticas, excêntricas e básicas. Algumas casas estão sempre abertas para receber os amigos. Outras fechadas para a exclusividade da família. Tem de tudo, assim como há de tudo nas moradas do pensamento. Com frequência sonho com o interior de casas. Os sonhos têm sempre o mesmo padrão: entro em uma casa que é minha e, ao andar por ela, descubro novos cômodos dos quais eu não tinha conhecimento no início. Há uma sensação de aventura ao descobrir estes novos espaços e meus sentimentos são de surpresa e gratidão. Somente agora me ocorre que estes sonhos podem representar as adaptações às novas circunstâncias, como formas de pensar e de agir que se transformam e evoluem, como a casa que cresce. Há em nós, sempre, capacidades latentes e desconhecidas que se manifestam ao longo das exigências da vida. Novas formas de elaborar a ação e a percepção da realidade, e que fomam novas moradas subjetivas. Quando conversamos com os outros é como se estivéssemos fazendo uma visita às suas casas-pensamento. Como se, num outro plano espaço-temporal, estivéssemos simultaneamente visitanto e sendo visitados. Algumas dessas moradas nos parecem hostis, outras confortáveis e ainda outras instigantes. Algumas parecem mal-ajambradas, outras bem planejadas e ainda outras demasiado improvisadas. Dá trabalho transformar pensamentos em palavras. Encontrar as palavras certas é sempre um alívio e não encontrá-las pode ser o início do caos. As palavras são sempre o contorno do pensamento, embora o fluxo do pensamento sempre o ultrapasse. Enquanto as palavras formam a estrutura da morada dentro da qual nos sentimos seguros, o fluxo do pensamento é o que abre as portas e vai á rua suscetível ao inesperado. Quando volta, sendo tocado, quer fazer reformas: trocar cortinas, pintar paredes, consertar as palavras e os conceitos que se deterioraram com o tempo. E assim a construção nunca termina, como nos meus sonhos com casas vivas, quase dançantes. Bem vindos, meus queridos leitores, às constuções das minhas moradas.